A equipe da Inspirados pelo Autismo recebeu a seguinte pergunta, ‘Meu filho de 4 anos entra em crise com fogos de artifício. O que posso fazer nesse momento e como posso ajudá-lo a longo prazo?’ Assista ao vídeo com a resposta da psicóloga e consultora da Inspirados pelo Autismo, Giovanna Baú. No vídeo, Giovanna explica sobre dificuldades de processamento sensorial que algumas crianças e adultos com autismo podem ter e dá exemplos de estratégias para ajudar pessoas com autismo a lidar com estes momentos desafiadores das festividades e com barulhos intensos e imprevisíveis.
Se preferir, leia abaixo a transcrição adaptada do texto do vídeo.
Crianças e adultos com autismo podem apresentar de maneira mais ou menos intensa dificuldades no processamento sensorial. Há pouco tempo, a dificuldade sensorial foi incorporada como critério para o diagnóstico do espectro do autismo. A última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria – o DSM 5, coloca que pessoas com autismo também apresentam hiper ou hiporreatividade aos estímulos sensoriais do ambiente.
Pessoas com o diagnóstico podem ser hipo ou hiperreativas sensorialmente a todos os sentidos: tato, olfato, paladar, visão, audição, propriocepção e sentido vestibular. Hoje falaremos sobre a hipersensibilidade auditiva respondendo à pergunta: “Meu filho de 4 anos entra em crise com fogos de artifícios. O que posso fazer nesses momentos e como posso ajudá-lo a longo prazo?”
Para tentar entender o que é a hipersensibilidade auditiva, experimente imaginar que você está em uma rua muito barulhenta e que você consegue escutar no volume máximo o barulho dos carros passando em alta velocidade, do carro vendendo algum produto, do caminhão de lixo passando, das pessoas conversando, da mulher andando de salto alto. Imagine todos esses sons chegando ao mesmo tempo em seu cérebro no volume mais alto possível. É isso que acontece muitas vezes com pessoas com autismo que apresentam hipersensibilidade auditiva.
Trabalhamos com muitas crianças que apresentam hipersensibilidade auditiva, conseguimos identificar esta característica quando, por exemplo: a criança coloca suas mãozinhas na orelha tampando os ouvidos; mostra-se desconfortável ou assustada quando, por exemplo, ouve o som de uma moto, do liquidificador, do secador de cabelo ou da máquina de cortar grama, quando começa uma música ou mesmo enquanto conversamos, se aumentamos nosso volume de voz. Muitas pessoas dentro do espectro já nos informaram que elas realmente chegam a sentir dor física quando ouvem alguns sons.
Na passagem do ano, na maioria dos lugares, temos inevitavelmente os fogos de artifício. Se sua criança demonstra desconforto frente a este estímulo, você pode ajudá-la a se preparar dando previsibilidade a ela, explicando o motivo e o momento em que as pessoas soltam fogos (por exemplo, estão felizes com a chegada do novo ano). Como parte de uma dessensibilização gradual, mostre imagens ou vídeos de fogos e festas de Réveillon no Youtube. Comece mostrando o vídeo sem o áudio ou com o volume bem baixo. Repita a exibição do mesmo vídeo, mas aumentando o volume aos poucos. Lembre-se de avisá-la que você está prestes a aumentar um pouquinho o volume. O vídeo já conhecido pode ajudar a criança a se preparar para os sons com um volume cada vez mais alto. Se a criança aceitar aumentar o volume ela mesma, melhor ainda, pois ela vai perceber que tem o controle dessa situação, poderá sentir menos medo e aumentará o volume de acordo com o quanto aquela sensação for suportável. Nos dias seguintes, continue mostrando vídeos de fogos até que a criança demonstre conforto mesmo diante de vídeos desconhecidos e com o volume já mais alto. No dia da festa, você pode pensar em usar um grande fone de ouvido, daqueles que cobrem toda a orelha (veja foto ao lado) e talvez escolher uma música que a criança goste para colocar já nos minutos anteriores à hora da virada do ano. Você pode inclusive buscar um local mais isolado para os minutos de foguetório. Esse local pode ser um cômodo mais protegido da casa ou mesmo o carro da família que, dentro do garagem, com os vidros fechados, pode abafar os ruídos externos. Caso a criança goste de alguma dessas ideias, deixe tudo previamente explicado para ela com o objetivo de tranquilizá-la!
Da mesma forma, dê previsibilidade em relação a outros sons que podem ser desconfortáveis para a criança, por exemplo, avisando que quando a criança chegar no seu quarto e fechar a porta, aí sim você fará a contagem regressiva e ligará o secador de cabelo no banheiro, para que o som fique mais baixo e não a incomode tanto.
Para uma criança que se assusta muito com o barulho de estouro de bexiga ou de balão, podemos ajudá-la a se dessensibilizar colocando a bexiga como parte de uma brincadeira divertida. Por exemplo, vocês podem brincar de colocar as bexigas embaixo de cobertores bem grossos (que abafarão o som do estouro) e então pular em cima para estourá-las. Você também pode explicar para ela que quando pularem vocês irão ouvir um barulho de estouro, mas que ele será bem mais baixo, dando assim previsibilidade. Se você estiver em um quintal ou pátio que permite atividades com água, a brincadeira de jogar bexigas cheias de água no chão pode ajudá-la a manter-se calma diante do estouro pois o som é abafado parcialmente pela água. Fique atento às expressões faciais e à forma como ela reage a esses sons. Caso ela ainda demonstre ficar muito desconfortável com o som, pense em atividades que ofereçam o estímulo de um som parecido, mas que ela não tenha tanto medo, como por exemplo, uma brincadeira na qual você bate palmas e a criança pula dentro de um bambolê como resposta.
Um de nossos garotinhos tinha muito medo de bexiga justamente por conta de elas poderem estourar a qualquer momento. Faltavam poucas semanas para seu aniversário e seus pais queriam muito tentar inserir bexiga na festa. Montamos então uma brincadeira na qual ele tinha um grande pedaço de papelão em formato de agulha, e estabelecemos que cada vez que ele encostasse essa agulhona na bexiga eu faria um barulho muito engraçado. A bexiga não era estourada. Ele gostou da brincadeira, e a cada vez eu aumentava meu volume de voz e fazia sons de estouro gradativamente mais próximos do que uma bexiga faz ao estourar. Mostrei vários vídeos de pessoas estourando bexigas começando com o vídeo no mudo e depois aumentando aos poucos o volume até chegar ao volume normal. Conseguimos então, ajudá-lo a se sentir confortável com o som e com a imprevisibilidade de que bexigas podem estourar a qualquer momento, e sua festinha teve direito a bexigas!
Se a sua criança com autismo ainda se sente mal em lugares muito barulhentos, procure levá-la a esses lugares nos momentos em que eles são mais tranquilos, por exemplo, ao invés de levá-la no shopping no final de semana, comece levando a criança pela manhã em um dia de semana. Seja a primeira família a chegar na festa de aniversário do coleguinha, e avalie se será melhor sair antes de todos cantarem parabéns. Leve a criança para a escola depois que o sinal tocou. Leve a criança para cortar o cabelo no cabelereiro quando não há nenhum outro cliente para secar o cabelo… Isso irá ajudá-los momentaneamente, e a longo prazo, como comentamos, você poderá trabalhar com a previsibilidade e dessensibilização dentro de atividades interativas nas quais a criança se sinta segura. Procure o apoio de um profissional de terapia ocupacional especializado em integração sensorial que poderá ajudá-lo a aplicar uma dieta sensorial com atividades sensoriais que auxiliem o desenvolvimento e o bem-estar de sua criança.
Em nosso blog, acesse os seguintes artigos com mais dicas para auxiliar as pessoas com autismo a lidar com as imprevisibilidades e estímulos das festas:
Veja também em nosso site a página sobre integração sensorial de pessoas com autismo e as páginas sobre o processamento de informações e a criação de um ambiente propício para o bem-estar e desenvolvimento de algumas pessoas com autismo.
Participe de um de nossos cursos sobre como promover o bem-estar e o desenvolvimento de pessoas com autismo.
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