Entrevista com Ellen Notbohm, autora do livro Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse – Parte 2
Por favor, conte-nos sobre o processo em que seu filho desenvolveu habilidades de conversação através do uso da ecolalia. Que conselho você daria aos pais de crianças que usam a ecolalia?
Crianças com autismo cujas habilidades com a linguagem são limitadas muitas vezes dependem de ecolalia para se comunicar, repetindo trechos de linguagem ouvidos de outras pessoas. A ecolalia pode ser imediata (repetindo o que as pessoas dizem ao seu redor) ou de algo que ele ouviu no passado, como um filme (ecolalia tardia). Para muitos pais, inclusive para mim, a ecolalia de uma criança provoca uma sensação de pânico de que ele ou ela nunca poderá conversar em uma linguagem expressiva original. No entanto, a ecolalia geralmente não é a prisão limitada que tememos que ela seja, mas um ponto na estrada do desenvolvimento de uma criança em direção à competência de conversação. Muitas crianças com autismo, o meu filho inclusive, são adeptos do uso da ecolalia como uma ferramenta para a comunicação funcional. Eles reconhecem a sua própria capacidade para memorizar grandes blocos de diálogo ou texto, assim como para buscar esses “arquivos” rapidamente e recuperar passagens relevantes. Eles, então, empregam estas habilidades para compensar um déficit (de habilidades de linguagem expressiva ainda não desenvolvidas o suficiente para formular a resposta original instantânea esperada deles). Nesse contexto, a ecolalia é uma conquista maravilhosa de um cérebro que processa a linguagem de uma maneira particular, e é um ponto de partida para se aprender a originar um discurso expressivo necessário para uma conversa. Em um determinado período, meu filho conversava quase que exclusivamente através de ecolalia tardia, e apesar de já ser quase 100% apropriado, eu ainda estava desesperada para detê-lo. Felizmente para mim, a profissional especialista em autismo de nossa região ressaltou-me que a ecolalia é uma forma de expressão oral funcional e que a tentativa de esmagar a ecolalia de uma criança sem utilizá-la como um passo no desenvolvimento – tentando evitá-la ao invés de se construir a partir dela – seria um exercício em frustração, bem como o desperdício de uma ferramenta de aprendizagem. Ela estava certa. Com o tempo, a linguagem expressiva original de meu filho aumentou para padrões quase normais. Hoje, como um jovem adulto, ele ainda emprega ocasionalmente a ecolalia tardia, embora seja improvável que qualquer outra pessoa além de seus pais e de seu irmão possam perceber.
Você poderia nos contar sobre as quatro características fundamentais do autismo descritas em seu livro?
O processamento sensorial é quase sempre um desafio para crianças com autismo e, para mim, é o ponto de partida para tudo que queremos fazer para ajudá-los. Muitas crianças com autismo apresentam hipossensibilidade ou hipersensibilidade a estímulos do dia a dia como sons, texturas, cheiros e outros estímulos vestibulares ou proprioceptivos. Mais do que meras irritações, sensibilidades amplificadas podem causar dor física, náusea, ansiedade e muitos outros sintomas. Pessoas cujos sistemas sensoriais estão organizados de forma típica conseguem processar milhares de estímulos sensoriais simultâneos sem esforço, mas uma criança com autismo muitas vezes não consegue processar mais que um por vez. Eu aconselho os pais a lidar com as questões sensoriais primeiro, especialmente quando estiverem tentando entender o que está causando comportamentos negativos ou atípicos. Para uma criança cujos sistemas sensoriais estão desordenados, todo o seu ambiente parece ser hostil. Não é possível se chegar a qualquer aprendizado ou socialização significativos se a criança não é capaz de tolerar o bombardeio sensorial acontecendo ao seu redor no que parece, para nós, um simples dia de vida comum.
Atrasos ou dificuldades na linguagem oral são comuns no autismo. Nossa sociedade valoriza imensamente a palavra falada, mas para muitas crianças que são não verbais, minimamente verbais, que possuem um pequeno vocabulário ou apresentam dificuldade com a pragmática linguística, é essencial que nós as ajudemos a criar um meio de comunicação funcional, qualquer que seja esse meio. A comunicação pode ser realizada através de sistemas de figuras, língua de sinais, teclado para digitar a mensagem ou ainda a própria fala, pois, sem um meio de comunicação funcional, a criança não consegue expressar seus desejos e necessidades. Tente imaginar como seria a sua vida sem o acesso aos meios de comunicação e equipamentos que você considera necessários, e quanto tempo você conseguiria ficar sem esses meios antes de ficar sobrecarregado com frustração, ansiedade e raiva.
Habilidades de interação social comprometidas em sua criança com autismo frequentemente a deixam confusa. A falta dessas habilidades de interação social pode levar ao isolamento, mas a boa notícia é que há muitos recursos e oportunidades para ensinar as habilidades de pensamento social que levam às nossas ações sociais. Algumas escolas estão começando a reconhecer que o “QE” – quociente de inteligência socioemocional de uma pessoa – é tão importante para o sucesso na vida quanto a inteligência cognitiva. Já podemos ver algumas aulas curriculares para o desenvolvimento da inteligência socioemocional na escola.
A autoestima e uma perspectiva positiva de si mesmo são geralmente afetadas de forma negativa pelos desafios do autismo. Todos nós desejamos ser aceitos por quem somos, ao invés de sermos constantemente destrinchados e avaliados por nossas peculiaridades e dificuldades, ou sermos desmontados para termos nossas partes consertadas. A criança com autismo apresenta diversos desafios que podem ser superados em um processo terapêutico e educacional. Ela vai precisar de anos de orientação especializada para alcançar um lugar confortável no mundo, mas ela não precisa ser consertada, e o objetivo não é torná-la uma pessoa “normal”. Para ajudar uma criança com autismo a acreditar que ela poderá ser um adulto independente, produtivo e bem-sucedido, precisamos ajudá-la a desenvolver o sentido de sua pessoa como um todo e demonstrar o quanto apreciamos o que há nela para celebrar e admirar, assim como o quanto ela pode ser um exemplo a ser seguido por nós. Amamos e a guiamos a criança com a mesma aceitação de sua “pessoa como um todo” que gostaríamos que os outros tivessem por nós.
Que medidas um professor pode tomar para tornar o ambiente da sala de aula mais adequado para uma criança com autismo que pode apresentar um processamento sensorial diferente?
Uma sala de aula colorida e animada que parece tão calorosa e agradável para nós pode parecer ameaçadora para uma criança com autismo. Felizmente, o professor pode tomar diversas medidas para tornar o ambiente mais confortável para essa criança, e a maioria desses ajustes beneficia os outros estudantes também.
A arte na parede que tem apenas um propósito decorativo pode ser um incômodo visual, confundindo e distraindo a criança com autismo, então limite a exposição na parede aos itens que são relevantes, tais como o calendário visual diário e semanal, as palavras que estão sendo soletradas naquela semana, os trabalhos de arte dos alunos da classe ou fotos dos alunos envolvidos em atividades da classe. Lâmpadas brancas fluorescentes zumbem e piscam constantemente causando desconforto para muitas crianças (são até proibidas em escolas de alguns países) e podem ser substituídas por iluminação natural, lâmpadas incandescentes ou outras que imitam a luz natural, especialmente na área próxima à carteira da criança com autismo. Quando possível, evite produtos químicos muito fortes e os substitua por produtos sem fragrância e hipoalergênicos. Afixar tecidos de feltro ou bolas de tênis nos pés das cadeiras pode reduzir os sons agudos de cadeiras sendo arrastadas e arranhando o chão. Permitir que o aluno utilize um iPod ou fones de ouvido na sala de aula pode diminuir as distrações auditivas.
Muitos alunos conseguem se concentrar mais nas tarefas quando não estão sentados em suas carteiras. Algumas crianças apresentam melhor resultado na tarefa quando deitadas em um pequeno colchonete, pois o contato do corpo todo com o chão as acalma. Algumas gostam de trabalhar ou de ler em pé em uma espécie de pódio. Algumas buscam movimento e precisam mudar de posição frequentemente de forma a conseguir manter o foco.
Uma das estratégias mais eficazes pode ser o estabelecimento de um “espaço sensorial” para o qual a criança pode se dirigir com o objetivo de fazer um intervalo de autorregulação quando ela começar a se sentir sobrecarregada. Pode ser um canto da sala atrás de uma prateleira e conter um tapete, um pufe ou cadeira de balanço, fones de ouvido, objetos para exploração sensorial, livros, música. É preferível que a criança se regule neste ambiente da sala do que ter que sair da sala e depois voltar para se reintegrar ao ambiente.
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